14 março, 2009

2º EPISÓDIO - VEREDICTOS

de Fernando Rezende
A solidão que me atormenta nesse julho é estranha e diferente. Não tem rosto, tal como os demônios da igreja ou os espíritos ruins. Não é deformada, apenas é horrivelmente desprovida de face, mas, misteriosamente enxerga, cheira e julga. Julga quem precisa de seu toque gélido. Sinto muito medo dela, pois está me deixando alheio aos meus próprios pensamentos, está me subtraindo a capacidade de lembrar das amenidades da vida e ainda, fazendo com que os rostos julgadores ganhem um poder imenso sobre minha existência. Esse julho frio e calmamente suicida, propício para uma urna, traz um vento que provém das entranhas do mausoléu de minha família, dos antepassados, meu avô, sopram o chamado e, digo, é tão tentador que desejo atendê-lo. O vento uiva, clama na persiana semi-aberta, para que eu não me faça de alheio. Que o deixe chegar mais perto, mais perto de meu coração. É sem dúvida, o clamor das profundezas de uma tristeza desmedida, sem freios ou algo que possa travar sua disseminação por sobre a terra. Ouço acuado num canto e pensamentos torpes vêm de mãos dadas com esse vento frio. Olho meu rosto lívido no espelho partido do quarto e reparo que talvez deva mudar, mas, ao pensar que nada muda aqui, não para sempre, tenho vontade de voltar a murmurar maldições contra a minha existência e a dos outros no meu canto, num canto seguro, donde nada sai. Nada além de meus pedidos aos deuses da noite que em realidade, não existem na não ser na mente dos simplórios. Acompanham-me pela rua, vielas e avenidas, os rostos. Sempre olhando, atentos. Escondo-me, corro, mas sempre quando penso achar-me seguro, lá estão eles, olhando e julgando. Falta-lhes apenas no dedo para apontar e concluir o veredicto, que sem dúvida, sempre está sendo proferido por suas bocas desprovidas de som. Apenas o movimento apavora-me, quero, mas não tenho coragem de ler os lábios que se movem frenéticos, julgando, julgando e julgando sem trégua. Não há paz, não há descanso. Onde quer que eu fique, onde quer que eu me esconda, lá estão eles, os rostos, lá está a solidão de prontidão, estranha e indefinível, gelando ainda mais o julho que morosamente escorre seus dias interminavelmente longos pelo calendário. Penso, comigo mesmo, para tentar confortar minha alma, que tudo isso, os julgamentos, os rostos e a estranha solidão vão deixar-me com o passar desse maldito e frio mês.

Não perca o próximo episódio de 'Veredictos'. Neste próximo sábado (21) ás 2h, aqui no BRTV!

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