Wagner Moura recebeu a reportagem no camarim da casa nortuna Studio SP, na rua Augusta, em São Paulo. Era quase madrugada de sábado para domingo, chovia forte lá fora, e ele aguardava para entrar no palco com sua banda de rock, Sua Mãe, formada há 18 anos –no dia 15, haverá outro show.
O ator falou de sua “carreira” como cantor, mas respondeu com simpatia a perguntas sobre o novo “Tropa de Elite”, em que volta como capitão Nascimento, agora grisalho, política (é eleitor de Marina Silva) e televisão (recusou convite para a próxima novela de Gilberto Braga). “Mas vem cá, cara, você vai falar desse show também no jornal, né?”, perguntou, rindo, ao perceber que a conversa seguira outros rumos.
Leia abaixo trechos da entrevista:
Na música, você não precisa ser “o cara”, como na carreira de ator. É isso que te leva a ser vocalista de uma banda de rock?
Wagner Moura - Se estivesse fazendo um musical, estaria milhões de vezes mais preocupado com meu canto do que aqui. O próprio rock tem uma falta de compromisso. Eu canto direito, mas não sou um cantor. Sou um ator que canta e não estou preocupado com isso. Muita gente vai dizer: ‘Olha o cara! Quer cantar agora!”. Vai ter muito preconceito porque temos referência em compositores populares [como Reginaldo Rossi, Odair José, Waldick Soriano] e porque sou eu o vocalista. Mas estou preocupado em me divertir.
Será? Acha que vai ser criticado como foi o Roberto Justus quando resolveu cantar?
Moura - Pois é, deixa o cara cantar [risos]. Nem sabia que ele cantava. Eu tenho uma banda, canto, gosto, por que não posso cantar? Mas não me sinto trabalhando, até porque não ganho dinheiro [risos].
Mas vocês foram ao “Altas Horas”, à MTV. Estão levando a banda de forma mais profissional, não?
Moura - Estamos fazendo show e cobrando ingresso. Precisamos ter uma postura profissional. Eu quero que o disco [primeiro CD da banda, "The Very Best of the Greatest Hits"] venda. Ia a-do-rar ouvir na rádio. Gosto muito de pessoas que cantam sem medo de parecer cafona, com o coração. Tenho um certo prazer em dizer que gosto disso em oposição aos inteligentes entre aspas.
Quem são os inteligentes entre aspas?
Moura - A crítica. De um modo geral, é muito elitista, careta, pessoal. Já li críticas muito ofensivas, agressivas, que deixam de analisar a obra esteticamente e partem para uma abordagem pessoal violenta, desnecessária.
Na Folha também?
Moura - Na Folha também. E na “Veja” há críticas muito violentas. A do teatro é a que eu mais acompanho. O teatro tem um lugar muito precário nas editorias de cultura. A impressão que tenho é a de que qualquer garoto chega à Redação dizendo “gosto disso, não gosto daquilo”. Os críticos têm muita certeza, sabem o que é bom, o que é ruim, leram Adorno, Marcuse, Benjamin [filósofos da Escola de Frankfurt]. Merda, leram mal. Aí o editor fala para escrever sobre uma peça. Começa aí a história de um crítico. O cara se acha f., mas é um garoto. Tem que ser mais aberto.
Já que mudamos de assunto, vamos falar de “Tropa”? O José Padilha [diretor] acha que “Tropa 2″ [estreia em setembro] vai fechar a polêmica aberta com “Tropa de Elite”, que agora vai ficar mais clara a sua visão de que o problema da violência, da polícia, está ligada ao Estado.
Moura - Para mim, no primeiro filme isso já estava bastante evidente. A forma com que os policiais agiam, tanto os corruptos quanto os violentos, como o capitão Nascimento, torturadores, é a morte de um Estado doente. Mas isso foi lido de diversas formas, para a minha surpresa. O que vão achar do novo não sei dizer. O que me interessou na hora de retomar esse personagem foi a proposta social, de discutir um assunto que considero muito urgente.
Pelo que estou vendo, você não está grisalho como o capitão Nascimento.
Moura - Não. Fiz o maior esforço para ficar daquele jeito. Tentei pintar, mas ficou amarelo, tipo luzes, reflexo. Aí todo dia o maquiador tinha que pintar fio a fio. É uma coisa extraordinária: o homem pisou na lua mas não achou um jeito de deixar o cabelo grisalho. Agora eu pintei de preto, tenho só uns fiozinhos brancos.
O Fernando Meirelles disse que Lula é o melhor ator do Brasil, melhor até que você. Concorda?
Moura - Gosto do Lula. Ele tem um carisma que cairia muito bem em qualquer artista, é comparável ao de Roberto Carlos. Ele se coloca, faz uma apresentação, o que faz parte da política, mas não diria que é o estereótipo do político mentiroso. Evidentemente que o governo Lula aparelha o Estado, é viciado de uma forma que não achei que seria, do toma-lá-dá-cá, da aliança cretina por conta da chamada governabilidade. Por outro lado, penso que o desafio maior de qualquer governante brasileiro ainda é diminuir as diferenças entre quem tem muito dinheiro e quem tem pouco. E acho que nenhum governo fez isso melhor que o dele.
Vai votar na Dilma?
Moura - Não, tendo a votar na Marina [Silva, pré-candidata do PV à Presidência]. É um voto no futuro, em um político que já está pensando diferente do Lula, está indo lá na frente. Não sei se já estamos preparados para um político como a Marina, mas vou dar esse voto. Queria que o Brasil desse uma mostra de progressismo para o mundo elegendo uma pessoa como ela. Marina representa coisas como a reforma agrária, a ecologia, que ao mesmo tempo soam anacrônicas, mas são muito modernas. A única coisa que me preocupa é a relação dela com a religião [evangélica]. É maravilhoso ela ter uma religião, mas fico preocupado em saber se ela é contra pesquisa com células-tronco, se é a favor do ensino do criacionismo em escolas públicas. Isso é um perigo. Mas tendo a votar nela e acho que a Dilma não vai se eleger. E vou dizer mais: não voto no Serra, não sou eleitor do PSDB, muito pelo contrário, mas acho saudável que haja uma alternância no poder.
O que você vai fazer agora?
Moura - Vou fazer um filme do Cláudio Torres, “O Homem do Futuro”, depois o do Luciano Moura, “A Cadeira do Pai”.
E a novela do Gilberto Braga?
Moura - Não. Ele me convidou para fazer, mas, por conta do “Hamlet”, coloquei muitos projetos de cinema para frente. E agora estou recebendo muitos roteiros diferentes do que estava acostumado a ver, fugindo dessa tradição do Cinema Novo de falar do Brasil, de querer entender tudo, que país é esse. É bacana, mas agora estou recebendo roteiros de filmes intimistas, de histórias de famílias de classe média. Mas também tenho um projeto de atuar em um filme do Vicente Amorim sobre reforma agrária.
Laura Mattos – Folha Online
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